sábado, 25 de julho de 2015

Tonho Louco (Durval Filho)

Tonho Louco
         Durval Filho

Tonho Louco não parava de falar, nem um segundo, isso porque ele falava com todo mundo e, quando estava só, falava consigo mesmo. Seu lar, as ruas de Campo Grande, é muito bonito, embora a vida levada por ele fosse péssima. Quando não estava falando, estava pensando alto. Às vezes sorria, às vezes gritava. Sua presença assustava.

No inverno deste ano, Tonho Louco calou-se. O que teria acontecido? Essa pergunta era repetida por todos os que o conheciam, e olha que eram muitos! Olhavam com curiosidade para o homem de barba rala e cabelos negros escorridos, agora quieto, e não entendiam. Uma vontade enorme de perguntar o que teria acontecido invadia a mente dos que com ele cruzavam. Mas não! Nunca antes havia com ele falado e não seria agora que lhe falariam.

O discurso do louco de Campo Grande, com sua oratória eloqüente, interrompeu-se. Os mestres e os doutores da linguagem perderam grande oportunidade de estudar o discurso de um só canal – só de ida. Onde um só fala, os outros escutam e fingem que são surdos. O emissor insiste e transmite sua mensagem que ecoa nos espelhos dos olhares que reprovam e dos ouvidos que não ouvem.

Os andarilhos, velhos conhecidos e também habitantes das ruas, resolveram falar com ele e lhe perguntaram: “Que foi que aconteceu com tu, tu sempre falô muito por aí. Agora parô de vez de falá! Perdeu a língua véiu?” Tonho Louco nada respondeu e se afastou, logo começou uma forte chuva que rapidamente passou e abriu um sol úmido e aconchegante. Tonho começou a caminhar com velocidade, quase correndo, seguia a Av. Afonso Pena, em direção ao seu prolongamento, porém, antes de lá chegar, virou à direita na Rua Bahia, longa descida, caminhada fácil porque naquele dia ainda não tinha tomado suas doses de pinga.

Silêncio total, nem no pensamento conversava; apenas caminhava para uma região da cidade que ele não conhecia. Atravessou o Córrego Prosa e continuou em frente; mais um cruzamento, quase foi atropelado. Manteve-se calmo e não diminuiu o ritmo até ver algo que lhe interessava – um enorme círculo na calçada, feito por lajotas coloridas, na verdade vários círculos dentro de outros círculos. Aquilo o maravilhou, então ele passou a andar em círculos, sorria e caminhava seguindo as lajotas, parou; subiu o olhar, e percebeu um portal que dava acesso a um parque. Sentindo uma atração irresistível, lá entrou e ouviu muito bem os sons das árvores sendo chacoalhadas pelo vento e o som dos pássaros ruflando suas asas. Água correndo, rego d’água cantando música de ninar.

Tonho Louco se sentiu muito bem, ali era sua casa, ou melhor, apartamento de cobertura. Ali ele começou novamente a falar e a ser compreendido. Diálogo entusiasmado, porém só conversava com a natureza.

Perguntava para os pássaros e esses lhe respondiam, eles o entendiam muito bem. As formigas então!!! Um show! Grandes e íntimas amigas. Fez amizades com muitas palmeiras e árvores variadas, soube muitas fofocas, algumas intrigas entre elas, nada que o assustasse, pois elas estavam presas pelas raízes e não podiam ir adiante com as hostilidades . Diferente dos homens que caminham, às vezes, para a gratuita agressão.

Quando não conversava com suas novas amigas, Tonho Louco observava intrigado as pessoas que frequentavam o parque. Elas caminhavam sempre em sentido anti-horário, dando voltas e mais voltas numa estradinha asfaltada, circular, que só cabia gente. Andavam rápido, procurando algo, não sabia o quê. Não perguntava para as pessoas, ele não queria mais voltar a falar com elas e chegou à seguinte conclusão: “os homens não acharam ainda o que procuram, andam em círculo, não sabem ao certo o que querem, aí não encontram nada e desistem; mas depois voltam outro dia e continuam novamente sempre sua eterna caminhada em busca do impossível”.

Tudo estava bem com o Tonho Louco até que o vigia do parque foi, a pedido dos humanos frequentadores, expulsá-lo de lá: “Sai daqui ó vagabundo, vai embora, aqui não é o seu lugar”. Tonho Louco abriu a boca, ia falar algo, mas se calou. Olhou para o céu, para o chão, para os pássaros e árvores e grudou suas enormes mãos no pescoço do vigia e apertou, apertou com força desmedida. Quando o homem estava para morrer, os pássaros pousaram a seus pés e cantaram, as árvores imploraram pela paz e as águas choraram... O vigia desmaiou e foi solto.

Tonho Louco então seguiu suas amigas formigas pelo trieiro e foi morar com elas no aconchego do solo. Passado o inverno, até hoje, nunca mais se ouviu falar de Tonho Louco que foi morar na casa das formigas.





Durval Filho, Revista UBE-MS 4/Campo Grande-MS: Life Editora, 2014


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